José Rodrigo Rodriguez

Pensar institucionalmente e ser de esquerda

In Direito e Teoria Critica on 03/08/2009 at 0:46

Pensar institucionalmente: essa é a fronteira que a esquerda precisa ultrapassar para deixar a irrelevância em que atualmente se encontra no debate de quase todas as questões políticas, econômicas e sociais. Em plena crise econômica, não há alternativa de esquerda à vista a discussão continua a girar em torno dos mesmos autores, idéias e problemas de sempre.

O modelo de crítica às instituições derivado de escritos marxistas e foucaultianos (não todo o Marx nem todo o Foucault: Marx jovem e Foucault tardio são muito diferentes) aponta para um modo de pensar que procura evidenciar apenas o caráter repressor e normalizador do direito e dos dispositivos normativos em geral.

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Obra de Antony Gormley, "Sovereign State"

Sem perder de vista a crítica que aponta para os efeitos excludentes e repressores de vários modelos institucionais, é preciso retomar o pensamento dialético para introduzir a contradição neste campo do saber, o que significa legitimar o lado positivo do problema.

Este é o caminho que vem sendo trilhado por conceitos como “direito responsivo”, “direito reflexivo” e “direito procedimental”, caminho prefigurado por Franz Neumann em “The Rule of Law” (1936).  Na tradição foucaultiana, os últimos escritos de Judith Butler também apontam para uma visão positiva das normas. Tal caminho permite conceber as instituições como contraditórias, ou seja, dotadas de potenciais participativos e deliberativos, simultaneamente a espectos repressivos e normalizadores, desde que presentes certas características e dadas determinadas circunstâncias históricas.

No Brasil e em boa parte do mundo a circulação deste modo de pensar ainda é restrito. Por exemplo, as denúncias da democracia em nome do conceito de “exceção” dominantes no Brasil, sempre com base no pensamento de Carl Schmitt e Giorgio Agamben, são tributárias do paradigma marxista ou foucaltiano tradicional a que nos referimos acima.

Claro, para alguns, o papel do intelectual de esquerda deve ser apenas negativo, ou seja, o de mostrar os problemas e limitações de todo e qualquer modelo institucional. Mas será possível criticar sem pressupor um modelo positivo de sociedade que permita identificar os limites do que esta posto? Mesmo sem querer, o trabalho positivo não estaria sendo feito, ainda que de forma implícita?

Na tradição materialista, este “pressuposto” em que se baseia a crítica não pode ser meramente imaginário: é preciso investigar as formas institucionais existentes, mesmo que não dominantes, minoritárias ou experimentais, além das propostas em debate na esfera pública, para evidenciar seu potencial transformador. O “pressuposto” deve estar, portanto, inscrito no real.

Não há como sacar instituições da cartola e partir do zero absoluto. É preciso construí-las a partir do que está dado. As experiências revolucionárias mostraram isso: nem a Revolução Francesa reconstruiu do zero o as instituições francesas, nem a Revolução Russa destruiu completamente as instituições existentes. Houve mudanças profundas, mas também a manutenção de amplas áreas de regulação.

Daí a necessidade de dialogar criticamente com a pesquisa empírica em ciências sociais comparada e com a tradição do direito comparado para descobrir novos modelos e pensar em seus potenciais emancipatórios. Daí também a necessidade de discutir em concreto a regulação de todos os problemas sociais e comparar as soluções em função de uma visão socialmente enraizada de emancipação, sempre levando em conta os interesses incluídos e excluídos por cada forma institucional.

O tema é imenso e faz parte de minha agenda permanente de pesquisa. Meu livro “Fuga do Direito” editado neste ano de 2009 pela Saraiva foi o primeiro passo que dei na investigação do potencial emancipatório das instituições e na construção de um modelo de crítica institucional que não abra mão do socialismo. Sua introdução é uma refutação explícita de Carl Schmitt e Giorgio Agamben.

Fuga capa

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Acredito na relevância e na centralidade desta agenda para o mundo de hoje. Os escritos marxistas e de esquerda em geral, considerados em conjunto, não apresentam um modelo institucional claro que possa servir de orientação para um pensamento institucional positivo e crítico, afinal, as instituições são vistas, na maior parte deles, como mera superestrutura.

Construir esta visão é crucial para recolocar na agenda pública contemporânea o ponto de vista de teoria crítica. Por isso mesmo, para um teórico crítico, deixar estes problemas de lado equivale a despontar para a irrelevância.

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